quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Noé e o peso

Por Leda Chaves

Margarida conheceu Noé quando ele veio com o Deus Peixe de Viçosa. Ele tinha vindo a BH fazer um concurso e ia ficar hospedado em sua casa. Margarida, como sempre muito carinhosa, preparou tudo com muito amor. Noé era muito diferente de Deus Peixe. Parecia bem metódico e quando ele contava um caso, explicava todos os detalhes. Tinha paciência para conversar.

O concurso do Noé seria no domingo pela manhã e ele pediu à Margarida para ir levá-lo e depois ir buscá-lo. Margarida se dispôs a ajudar prontamente além de oferecer um café da manhã bem caprichado, para que o Noé não sentisse fome durante a prova. Depois de buscar Noé no local do concurso, voltaram para casa e a Margarida foi preparar um almoço para os seus hóspedes. Ela fez tudo com muita alegria e os seus hóspedes adoraram o seu tempero. E, enquanto descansavam depois do almoço, Noé contou um caso, que a Margarida escutou com muita atenção.

Noé contou que um dia, a namorada dele foi à padaria comprar pão. O pão estava bem fresquinho e cheiroso e depois de pegar o pão ensacado foi ao caixa para fazer o pagamento. Deu uma nota de dez reais e recebeu o troco que conferiu rapidamente antes de sair da padaria. Pôs as moedas na bolsinha de moedas e voltou para casa.

Mais tarde, ela foi se encontrar com Noé porque tinham combinado de ir ao cinema. Bem, Noé trazia sempre no console de seu carro, pequenas moedas para facilitar trocos e outras coisas. Mas Noé precisou de uma moeda de um real e perguntou à namorada se ela tinha alguma. Ela disse: “Tenho sim, do troco da padaria!” E qual não foi a sua surpresa ao abrir a bolsinha de moedas e dar de cara com o peso argentino. “Gente, como esse peso veio parar aqui? E eu nem fui à Argentina ainda!” Pois é, era um mistério. Ela começou fazer conjecturas de onde poderia ter vindo o peso e concluiu que só podia ter vindo junto com o troco da padaria. A moeda de um peso era muito parecida com a moeda de um real e talvez, como ela, o caixa da padaria nem tenha visto que aquela moeda era um peso argentino. Bem, Noé ficou com o peso e colocou-o no console para dar sorte. “Quem sabe, não é?”, pensou.

E Noé ficou pra cima e pra baixo com o peso argentino. Ia ao trabalho, ao supermercado, à padaria e o peso lá. Tudo corria muito bem. Noé já tinha se formado e a vida seguia normalmente entre trabalho, namoro, amigos e tudo mais. Sempre metódico e muito atento, Noé tomava cuidado para não entregar a sua moeda da sorte num momento de desatenção, até que, um dia, Noé teve que ir a BH. Naquele tempo, ele ainda não conhecia a Margarida só o Deus Peixe e a Deusa Jojô, a namorada do Deus Peixe.

O pessoal que morava em Viçosa tinha sempre o hábito de publicar numa página do facebook destinada a caronas quando iam viajar para outra cidade e quem precisava se candidatava às vagas no carro. O valor da carona era igual ao preço da passagem da excursão. Era muito interessante esse esquema tanto para o dono do carro que sempre encontrava alguém para ajudar com as despesas e também para os caronas que faziam a viagem mais confortavelmente e às vezes mais rapidamente de uma cidade à outra. Finalizadas todas as atividades previstas em sua agenda e voltando para Viçosa, Noé parou próximo ao ponto de ônibus que tinha em frente ao BH Shopping para pegar um caroneiro.

Pois é, e lá estava um homem todo maltrapilho, sujo e que, quando viu o carro do Noé, dirigiu-se rapidamente a ele. Quando já estava bem próximo, pediu um “trocado” para o Noé que imediatamente olhou para as moedas no console. O pedinte seguiu o olhar do Noé e viu lá, por cima de todas as moedas, o tal peso argentino que a namorada do Noé tinha posto ali como um amuleto, para dar sorte. Então, o homem pediu: “Me dê aquela moeda de um real ali, ó!” Noé tentou explicar para ele que aquela moeda não era de um real mas o homem não entendeu porque estava cego e surdo pela cobiça. Pois é, os olhos do homem brilharam tanto na direção da moeda que Noé achou que já era hora do peso seguir o seu caminho e o entregou ao homem que agradeceu e se afastou ainda tão cego pela cobiça que nem notou que aquela moeda não ia ter serventia como dinheiro.

Noé arrancou o carro pensando em como as coisas vêm e vão no decorrer da vida, em como, às vezes, passam por nós, ficam um tempo e depois nos deixam e seguem o seu caminho e que temos que aceitar quando chega o tempo de deixar para trás o que não nos pertence mais...

Quando Noé terminou de contar o caso, Margarida disse: “Gente, vou escrever uma crônica sobre Noé e o peso!” O Noé adorou a ideia e depois que foi embora toda vez que encontrava com o Deus Peixe sempre perguntava se sua mãe já tinha escrito a crônica que ela tinha prometido.

Após o concurso, Margarida, que iria para Viçosa com o Deus Peixe, a Deusa Jojô e o Noé, estava muito animada com a ideia de sair uma pouco de casa. Porém, assim que voltaram, a ideia inicial do horário da viagem foi logo abandonada e decidiram viajar na manhã seguinte. Saíram bem cedo, lá pelas seis e trinta da manhã. Margarida tentou sair sem que os vizinhos do 201 soubessem para que eles sentissem a frustração de saber que ficaram o dia todo perturbando uma casa vazia. Bem, ela não sabe se deu certo, mas o fato é que ninguém viu a Margarida saindo dentro do carro do Noé. Fizeram uma ótima viagem e chegaram à Viçosa famintos e felizes.

Margarida adorava os seus amigos jovens porque eles eram cheios de energia e tinham os olhos cheios de esperança. Era bom ficar na companhia deles, muito bom e a Margarida sempre agradecia ao Universo aquelas oportunidades tão enriquecedoras.

Um comentário:

Todas as publicações deste blog pertencem à Leda Chaves Erdem.

Neste blog, todos os comentários serão moderados.