terça-feira, 14 de agosto de 2012

O quebra-molas de carrinho de neném

Por Leda Chaves

Margarida amanheceu bem naquele dia e como sempre levantou-se toda animada. Abriu os olhos antes do despertador tocar. Pegou o celular que dormia dentro de um abraço e tentou ver as horas. Mas lá no fundo ela queria ver se tinha alguma mensagem do F. Qual não foi a sua decepção quando viu que não tinha mensagem nenhuma. E nem conseguiu ver as horas porque a luz era demais para os suas pupilas ainda dilatadas e olhos sonolentos. Resolveu então levantar a cabeça e olhar o rádio relógio que ficava no criado do outro lado da cama. Margarida dormia numa cama de casal Queen size, melhor dizendo, 1,60m x 2,00m. Ela adorava se espalhar pelo colchão mas sempre acordava encolhida do lado direito, perto da janela. A cama ficava toda arrumadinha do outro lado e era bem fácil esticar as cobertas só de um lado quando ela se levantava pela manhã.

Bem, podia-se dizer pela manhã, para ela que gostava de se levantar bem cedo. Mas para a Malu era noite ainda. 5:30 da manhã definitivamente, para a Malu, ainda era noite. Malu era amiga da Margarida há muitos anos. Tinham se conhecido na Escola de Engenharia e desde então tinham mantido contato. Ficaram afastadas durante uns anos mas agora tinham voltado a se encontrar.

Pois é, Margarida levantava-se às 5:30 porque gostava de se preparar bem e cuidar da casa. Quando chegava à noite já estava muito cansada e não queria pensar em fazer nada. Pois naquele dia, Margarida saiu às 7:00 conforme planejara e foi subindo a rua Stella Hanriot em direção à Av. Professor Mário Werneck. Na esquina da Cônsul Walter existia uma área verde onde tinham implantado uma praça que, como muitas na cidade, ainda não tinha nome. Quando chegou lá a Margarida ficou estupefata!!! “Gente, fizeram um quebra-molas de carrinho de neném aqui, na calçada! Como assim???” Era um prisma de concreto que tinham feito desde o jardim da praça até o meio-fio, o que quer dizer que o passeio tinha sido atravessado por um volume que o tornava ainda mais inacessível. Devia ter uns dez centímetros de altura, seção triangular. E tinha sido feito bem cedinho ou no meio da noite porque no final do dia anterior a Margarida tinha passado por lá e não havia nada. E ainda tinham tido o trabalho de adicionar algum tipo de catalisador na massa para acelerar o endurecimento. Margarida indignadíssima começou a chutar aquele absurdo mas não adiantou. Ele ficou lá deitado, impassível.

Ela seguiu pensando que ia chutar aquele quebra-molas todo dia até ele desgrudar do passeio. E assim fez... Todo dia a Margarida passava lá e chutava bem ali onde a vibração devido ao movimento dos veículos já tinha começado uma trinca. Um dia, ela passou por lá mais cedo porque o 20 não tinha demorado uma hora e meia no trajeto entre o Cruzeiro e o Buritis e resolveu fazer uma denúncia. O dia estava claro e ela tirou fotos com o celular mesmo. Ligou para o 156 e conversou com a atendente e tentou explicar o que estava acontecendo: “Olha, moça, fizeram um quebra-molas em cima da calçada aqui.” Aí a atendente que não entendeu nada e queria dar o telefone da Bhtrans. “Mas, minha filha, o negócio está em cima do passeio!!!” “Ah, então vamos lhe dar o telefone da Regional Oeste para a senhora fazer a denúncia”, respondeu a atendente, “A senhora pode anotar?” Margarida disse que podia e ouviu os números com atenção mas não anotou porque estava em pé no meio da praça, olhando para aquele objeto do desrespeito, ainda grudado na calçada. Desanimada com aquele sistema público, Margarida seguiu para a sua casa que ficava na mesma rua seguinto mais adiante. E dali até a sua casa, desceu pensando em como as pessoas não têm respeito pelo coletivo e no que elas são capazes de fazer por causa disso.

Praça com orelhão

Tinha dias que ela olhava para aquela praça com muita tristeza porque era tanto cocô de cachorro espalhado pelo grama e pelo passeio que Margarida optava por caminhar no asfalto. A praça que deveria ser um local de reunião, de descanso, um local onde as crianças pudessem se expandir um pouco, tinha virado depósito de cocô de cachorros. Pois é... mas ela ficou achando que houve reclamação e a quantidade de cocô diminuiu apesar de ainda existirem pessoas que levam seus cachorros lá e não recolhem o que deveriam recolher. Porém, em alguns dias, quando a Margarida ia mais cedo para a casa, via crianças alegrando a praça e descia satisfeita.

Mas a Margarida continuava intrigada pensando no motivo pelo qual alguém faria um absurdo em que se constituía aquele prisma que além de tudo não servia para decompor luz nenhuma. Ficou fazendo conjecturas, mas nunca conseguiu descobrir. Podia ser por causa da chuva...Estava chovendo muito e a água da praça devia estar chegando até à calçada do edifício que era lindeiro à área verde. Mas a grama já tinha coberto a terra e estava verdinha...

Um dia, Margarida notou que estavam colocando divisórias de concreto entre o piso cimentado e á área gramada na praça e se perguntou o porquê. Estava até ficando bonito. Mas havia ali outro desrespeito ao cidadão que andava à pé. O monte de areia da obra ficava na calçada e o pedestre tinha que dar a volta. “Como assim????”, pensou ela. E o pior aconteceu depois, quando interromperam a obra e a areia ficou lá e vocês podem bem imaginar o que aconteceu, não é? Os mesmos famosos donos de cachorro sem consciência coletiva deixaram seus animais fazerem cocô na tal areia... Imaginem o cenário triste que se formou ali. A obra parou e a areia estava lá. Alguns dias se passaram e Margarida observou que a areia estava limpa. “Uai, o que teria acontecido?”, pensou ela. “Será que alguém enterrou tudo aí ou será que limparam?” Depois deixou essas idéias pra lá e focou no danado do quebra-molas.

E continuou chutando toda vez que passava por ele, com toda indignação que tinha se acumulado dentro dela. E aí, um dia, um pedaço se soltou... Uhuuuu! Foi uma grande alegria! Margarida chutou com mais força e outro pedaço começou a se soltar. Aí parou de chutar e seguiu rua abaixo vitoriosa. No dia seguinte outras pessoas já tinham também seguido o seu exemplo e os pedaços do quebra-molas de carrinho de neném foram se soltando até a metade. A metade que estava em cima da praça. A outra metade que estava sobre a calçada continuava lá, grudadíssima. Mas a Margarida perseverava e continuou chutando... Aí mais um pedaço se soltou. Mas parece que essa parte estava mais grudada do que a outra. Ou então o piso da praça se movimentava mais do que a calçada.

Praça dos micos, Buritis, Belo Horizonte

Então a Margarida se lembrou daquele ditado popular que dizia: “Água mole em pedra dura tanto dá até que fura” e decidiu que ia chutar “aquilo” toda vez que passasse por lá, num execício de paciência incrível, na esperança de eliminar da praça e de sua vida faltas de respeito como aquela.

Rua Stella Hanriot, Buritis, Belo Horizonte

Ainda existem reminiscências do quebra-molas lá. Mas a segunda parte já começa a ceder à perseverança da Margarida e quem quiser ver é só ir lá na Rua Stella Hanriot e olhar, mas tem que ser rápido porque o pé da Margarida é implacável!!!

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